quarta-feira, 23 de setembro de 2009

COM CINCO JOGADORAS NA CASA DOS TRINTA ANOS SELEÇÃO BUSCA VAGA NO MUNDIAL

Marcelo Ferrelli/Gazeta Press

Depois de fracassar nos Jogos Olímpicos de Pequim-2008, o técnico Paulo Bassul resolveu apostar na experiência. Nos últimos amistosos antes da estreia na Copa América de Cuiabá, ele lançou mão das cinco trintonas de seu elenco e armou o time titular com Alessandra, Mamá, Helen, Adrianinha e Micaela. O quinteto com média de idade de 32,4 anos e o tratamento com pílulas anticoncepcionais para evitar que as atletas sofram com a TPM durante o torneio são as armas da equipe que inicia a luta por uma vaga no Mundial da República Tcheca-2010 às 20 horas (de Brasília) desta quarta-feira, diante de Porto Rico.

Em sua pior performance olímpica, o Brasil superou apenas a seleção de Mali e encerrou os Jogos de Pequim no penúltimo lugar. Com vacilos nos momentos decisivos das partidas, o time se despediu ainda na primeira fase após derrotas contra Coréia do Sul, Austrália, Letônia e Rússia. Para Bassul, o fiasco foi consequência da falta de experiência da equipe levada à China. A média de idade do grupo convocado para buscar uma das três vagas no Mundial que a Copa América oferece não é muito maior (28,3 x 27,5), mas a vivência das atletas chamadas para a competição no Mato Grosso faz a diferença.

No grupo que foi à Pequim, apenas Claudinha, Êga e Mamá tinham mais de 30 anos e cinco das 12 convocadas nunca haviam jogado um Mundial ou uma Olimpíada. Adrianinha, Claudinha e Kelly, bronze em Sidney-2000, eram as únicas medalhistas. No elenco da Copa América, somente Natália Burian e Palmira Marçal não têm Mundiais ou Olimpíadas no currículo. Adrianinha e Kelly ainda ganharam a companhia de Helen (bronze em Sidney) e Alessandra (prata em Atlanta-1996 e bronze em Sidney). Para completar, ambas são remanescentes do título Mundial conquistado na Austrália em 1994.

Helen, 36 anos, e Alessandra, 35 anos, são as duas mais velhas do elenco. Experientes e consagradas, ambas jogam na Europa e já davam a carreira na seleção brasileira como encerrada. Companheiras de Hortência durante anos no time nacional, elas atenderam a um pedido da ex-jogadora, atual coordenadora do basquete feminino, e retornaram à equipe. A pivô voltou após a ascensão de Carlos Nunes à presidência da Confederação Brasileira de Basquete (CBB) no lugar de Gerasime "Grego" Bozikis. Ainda assim, a atleta manteve o processo contra a entidade, acusada de não pagar o seguro por sua lesão no Mundial do Brasil-2006.

As cinco veteranas da seleção posaram para a GE.Net antes da vitória por um ponto sobre o Canadá, na última quinta-feira, em Barueri. Ao olhar para o lado e ver Helen, Adrianinha, Micaela e Mamá, Alessandra brincou: "você quer fotografar só as trintonas, né?". O grupo de 162 anos conta com a confiança de Bassul. "Nos momentos cruciais, essas jogadoras dão estabilidade para o time tomar as decisões corretas na velocidade que o jogo pede. O auge de uma jogadora de basquete é com 28 anos, quando ela junta condição física, psicológica e técnica. Elas ainda estão próximas desse nível e podem acrescentar muito tanto no aspecto técnico individual, quanto no coletivo", disse.

Há mais de uma década na seleção, o preparador físico João Nunes teve contato com Helen e Alessandra na primeira passagem da dupla pela equipe nacional. Na véspera da estreia na Copa América, ele atesta a boa forma física das cinco veteranas convocadas pelo técnico Paulo Bassul. "O que importa é o estado e as condições de saúde de cada atleta. Pode ter uma menina de 35 anos melhor que uma de 27. Com o tempo, elas perdem velocidade, agilidade e explosão. Mas em um esporte coletivo, acabam achando um entendimento melhor e encurtam alguns caminhos dentro da quadra. Uma jogadora tecnicamente melhor satisfaz essas perdas com experiência", analisou.

Com 1.205 pontos e 120 jogos na seleção brasileira, Helen não conhecia boa parte das atuais jogadoras do time. A veterana chegou a afirmar que as jovens são "mais preguiçosas" e treinam menos do que antigamente em função de distrações como a Internet e o telefone celular. Para Paulo Bassul, a situação é inevitável. "Isso sempre tem, principalmente em idade mais de adolescência, mas é uma coisa mundial. O que faz a jogadora treinar é a competitividade. Quando ela percebe que tem muita gente brigando pela mesma coisa, é obrigada a ralar, treinar e se esforçar para entrar na briga", afirmou.

Principal líder do elenco, Helen notou a falta de malícia de algumas de suas companheiras durante o período de treinamento em Barueri. "Elas ainda não sabem decidir o momento certo de passar bem uma bola ou de arremessar. O basquete é decido nos detalhes e eu e a Alê temos a obrigação de apontar as coisas que as mais novas não conseguem ver", afirmou a armadora, acompanhada por Alessandra. "Não digo que é falta de talento, mas às vezes falta um pouco de experiência. Elas são muito ingênuas em alguns momentos. Depois do Mundial de 2006, essas meninas assumiram uma responsabilidade muito grande de um dia para o outro", analisou a pivô, que tem 1.404 pontos e 116 jogos no time nacional.

Em fase final de carreira, ambas pretendem jogar no Brasil na próxima temporada e admitem a possibilidade de disputar o Mundial da República Tcheca-2010. Alessandra usa a trajetória de Hortência como exemplo. "Eu achava que já estava velha para jogar na seleção, mas ela me disse: 'quando eu ganhei a prata em Atlanta com você, tinha 36 anos'. Eu falei: 'nossa, nem parecia!'. Se ela jogava tudo aquilo com 36, eu ainda estou bem para a seleção. Não tenho que provar mais nada para ninguém. Se eu puder fazer 20 corta-luzes para deixar uma menina livre, vou fazer. Não vou ficar brigando para chutar uma bola que muitas vezes não vou ter nem força física para chutar. Nós, as mais velhas, estamos com a cabeça de nos doar para o grupo", disse.

Comissão usa anticoncepcionais para evitar TPM


A Copa América será realizada entre os dias 23 e 27 de setembro. Para garantir que as 12 convocadas estejam em plenas condições físicas e psicológicas neste período, a comissão técnica da seleção contou com a consultoria de Thatiana Parmigiano, especialista em ginecologia do esporte. Com a administração de pílulas anticoncepcionais indicadas pela médica, o técnico Paulo Bassul espera contar com força total em Cuiabá.

"Tem menina que sente muito esse problema. A partir do momento em que hoje existem métodos de controle para prevenir isso, o ideal é que você utilize e evite esses efeitos", disse o treinador. A tensão pré-menstrual (TPM) é um conjunto de sintomas físicos e comportamentais que ocorre na segunda metade do ciclo. Nervosismo, alterações de humor, cólicas, ansiedade e dor de cabeça são alguns dos sintomas. Com o tratamento, as jogadoras não estão ficando menstruadas e, consequentemente, têm evitado o desconforto.

Em Barueri, Parmigiano ministrou uma palestra para o grupo e conversou individualmente com cada convocada. As jogadoras ainda passaram por ultra-sonografia e realizaram alguns exames de sangue indicados pela médica. Durante as consultas, a ginecologista apurou se as atletas gostam ou não de jogar menstruadas, se o fluxo chega a atrapalhar durante os jogos e treinos, se elas já usaram o chamado "calendário competitivo" anteriormente e outras particularidades. Com base nestes dados, elaborou os tratamentos.

"A atleta treina o ano inteiro para jogar um campeonato e às vezes fica menstruada naquele dia, tem uma cólica forte e fica de cama", exemplificou Parmigiano. "Em uma competição de menos de uma semana, a gente consegue programar com elas e evitar a TPM neste período. Quando dei a palestra, uma das jogadoras mais importantes da seleção falou que odiava jogar menstruada e não sabia que tinha a opção de evitar isso. A ideia é você competir no período em que se sente melhor", completou a médica, que também conversou com a equipe sub-16.

Como algumas pílulas contêm substâncias que podem ser detectadas no exame antidoping, o tratamento deve ser minucioso e feito por um especialista. Uma das jogadoras mais experientes do elenco, a pivô Alessandra aprova o acompanhamento com a ginecologista. "Tem meninas que não conseguem nem sair da cama de tanta cólica. Então, é uma coisa que tem que ser estudada antes da competição. Se os jogos caem nos dias que você está mal, pode jogar um torneio importante por água abaixo", explicou.

Apesar da meta de evitar a TPM durante as competições, o técnico Paulo Bassul garante ser compreensivo e mudar o grau de exigência ao perceber que uma determinada atleta está sofrendo com os sintomas do período. "O treinador precisa ter essa sensibilidade. Estamos lidando com seres humanos, e não com máquinas. Então, você precisa ter essa dosagem de às vezes individualizar a questão", declarou o comandante do time feminino.

Com o longo tempo de convivência intensa, as próprias jogadoras aprenderam a identificar o estado umas das outras. "A gente acaba se conhecendo um pouco. Se tem uma menina que não está em um dia legal, você tem que respeitar, porque cada uma é como é. Se você vê que uma menina está a fim de brincadeira, vai lá e brinca. Se você percebe que ela está mais quietinha, você respeita. A gente encara isso com naturalidade", disse a armadora Helen.

A estratégia de usar anticoncepcionais para impedir a TPM foi empregada com sucesso pelo técnico José Roberto Guimarães nas Olimpíadas de Pequim-2008. Ele já controlava os ciclos menstruais das atletas da seleção feminina de vôlei para preparar os treinamentos físicos. Ao descobrir que boa parte do elenco menstruaria no meio da competição, o treinador e sua comissão resolveram adotar o expediente e foram premiados com a medalha de ouro.

Vaidade, cremes e experiência movem atletas "over 30"

Alessandra, Mamá, Helen, Adrianinha e Micaela passam boa parte do tempo de tênis, shorts, cabelo preso e pingando de suor. A rotina de atleta, no entanto, não afasta a vaidade das trintonas da seleção brasileira. Após romper a temida barreira, elas apelam a cremes anti-envelhecimento e apostam na experiência dentro da quadra.

"Tem menina de 25 anos que usa anti-age (anti-idade)! Eu também uso, não vou mentir. Ainda não preciso de botox, porque estou bem (risos). Tem gente que me encontra e fala: 'meu Deus, você está com o mesmo corpo que tinha 10 anos atrás!", diz Alessandra, antes de reconhecer, em tom de lamentação: "eu dei uma engordadinha...".

Ela lembra bem do traumático dia em que completou seu 30º aniversário. "Eu estava no vestiário. Vieram duas jogadoras estrangeiras do meu time e falaram: 'welcome to the club' (bem-vinda ao clube). Foi duro... Eu chorei! Mas depois... Fazer o quê? Eu me conformei. O bom é ter 30 anos e estar bem", disse.

Apesar da idade, Alessandra fez uma temporada de alto nível na Europa e passou pela experiência inusitada de atuar ao lado de uma jogadora de 15 anos. No Bourges, a atleta conquistou a Liga Francesa e a Copa da França. "Eu e minhas companheiras over 30 (acima de 30) estamos correndo, estamos chutando, estamos jogando bem e fazendo a diferença", discursou.

Para Helen, a mais velha do elenco convocado para a Copa América, o dia 23 de novembro de 2002 foi mais tranquilo. "Eu adorei fazer 30 anos. Se soubesse que era tão bom, tinha feito antes! Acho que é o nosso melhor momento. É a fase que a gente está mais madura, sai daquela transição de menina para mulher e vê que a vida tem outros valores", explicou.

A armadora assegura que nunca mentiu a idade, mas também contribui com o lucro de bilhões por ano do mercado de cosméticos. "Eu sou meio preguiçosa, mas sempre pinto o cabelo e uso um produto para o rosto. Não gosto cabelos brancos, e tenho muitos. O que me incomoda, eu cuido", explicou Helen.

Um dos destaques do espanhol Hondarríbia Irun na última temporada, ela ainda não pensa na aposentadoria, assim como Alessandra. "Tenho amigas na Europa jogando até com 40 anos. É claro que o físico de uma menina de 20 anos não é igual ao meu, mas nossa experiência e preparação compensam. Tenho 36 e estou com vontade de jogar".

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